terça-feira, 27 de setembro de 2011

Ah, vida real

A vida de repórter possibilita ir lugares aonde você nunca iria e conhecer gente que você nunca conheceria se não fosse jornalista. De dois meses para cá, tenho experimentado essas sensações com bastante intensidade. É daí que vem a constatação de que a vida real – aquela feita por gente de carne e osso e pequenos momentos nem sempre notados pela maioria das pessoas – é bem mais interessante que a vida virtual, em que as emoções não conseguem transpor a tela.

Uma menina, na sua mais pura inocência, corresponde ao aceno de um morador de rua bêbado e sujo que passa ao seu lado na rua. Uma bonita mulher de óculos escuros ignora o possível perigo e abre o vidro do carro para atender ao pedido de um garoto com seus 10 ou 11 anos, aparentemente drogado, que lhe grita: “Me dá chips, dona?”. Pais encaram o burburinho na saída da escola para buscar os filhos pré-adolescentes que conversam animadamente em grupos (certamente, sobre assuntos que nada têm a ver com o insano mundo adulto).

São exemplos de cenas que vi nos últimos dias – e das quais eu havia me distanciado nos últimos anos. A vida na redação tem esse lado negativo e até paradoxal. Por mais que, antes, eu ficasse sabendo de tudo praticamente em tempo real (graças à conexão ininterrupta com portais de notícias, Twitter, Facebook), não era a mesma coisa. Ultrapassar o vidro fumê é saboroso. Nada substitui o contato com as múltiplas cores da realidade. Isso é matéria-prima para o repórter. A vida sem mediação, aquela que acontece bem na frente dos olhos, será sempre mais interessante e ardente. É nela que brotam os sentimentos.

Ver o correr da vida, em toda a sua ordinariedade e bestialidade, tem lá seus encantos. É o que estou redescobrindo agora, com quase o mesmo olhar encantado de uma criança que reconhece o mundo. E, afinal, são esses instantes quase imperceptíveis do dia a dia que pontuam nossa existência. São eles que vão ficar. Memórias costumam ser preenchidas mais pelos pequenos fatos do que pelos grandes eventos. Talvez porque os pequenos fatos carreguem a emoção verdadeira pela qual tanto procuramos. No fundo, o que a gente quer são mais cafés descompromissados e menos banquetes teatralizados.