domingo, 15 de novembro de 2009

Do Líbano para o Mercado Central de Belo Horizonte

O Brasil tem sido uma terra generosa para a libanesa Hana Dawood Abou Tabikh. Com quase 30 anos de história como comerciante no Mercado Central de Belo Horizonte, ela vê com satisfação o término da crise econômica surgida em meados de 2008, planeja um fim de ano feliz e acalenta o sonho de abrir uma segunda loja no tradicional centro de compras da capital mineira.

Dona de um empório árabe e delikatessen perto da entrada da rua Curitiba – chamado Coisas D’Hana –, a imigrante mantém seu comércio em sociedade com a filha Amine e emprega cinco funcionários. Nos fins de semana, é preciso chamar mais um colaborador para ajudar no atendimento aos clientes e na cozinha. E, com o maior movimento previsto para dezembro, pelo menos duas pessoas devem ser contratadas. Nenhum empregado estará de férias nessa época.

Hana, de 65 anos, se orgulha em ter “sangue de gente trabalhadora”. Ela veio para o Brasil fugindo da guerra civil que assolou o Líbano em 1976. Quando chegou ao Mercado Central, cerca de 30 anos atrás, abriu um restaurante de comida árabe. Há oito anos, migrou para o modelo de comércio atual. “Acredito demais na força do trabalho. Quem trabalha muito não tem como perder”, afirma, com forte sotaque. “Sou descendente do povo de Vinícius, da cidade de Haifa. Foi de lá que saiu o primeiro comerciante do mundo”, acrescenta, com fala rápida e voz firme.

A vontade de fazer o negócio prosperar leva Hana a investir sempre em sua empresa. A última mudança realizada no local foi a compra de um balcão, para expor produtos como pães sírios, doces típicos, especiarias e outros alimentos. Em breve, também deve chegar uma estufa térmica, para guardar os quibes e esfirras de fabricação própria. O investimento seguinte será a troca de duas vitrines da fachada. “As pessoas comem com os olhos. O visual da loja tem que ser bonito”, acredita.

De trás do caixa – de onde Hana acompanha atenta, em um monitor, as imagens do circuito interno de câmeras e atende os compradores sem precisar usar calculadora ou consultar uma lista de preços dos produtos –, a libanesa está esperançosa de que terá um fim de ano farto. “A crise financeira nos afetou muito. Os preços de importação subiram e as vendas diminuíram. Muita gente ficou segura, com medo de gastar. Agora já está tudo voltando ao normal”, avalia.

O cenário positivo deixa Hana ainda mais entusiasmada em realizar o sonho de abrir um bazar no Mercado Central, onde venderia artigos de decoração, bijuterias e tecidos orientais. “Há muito tempo venho olhando o ponto. Mas nunca coincide de haver uma loja para alugar no corredor onde eu quero, ou de eu ter as luvas na hora certa. Mas eu vou esperar. Para tudo na vida, a pessoa tem que ter calma. Eu acredito muito em Deus e sei que vai chegar a minha hora”, diz a muçulmana, que, entre os funcionários, leva a fama de ser uma chefe do tipo “linha dura”, apesar de “ter um bom coração”.

Se, no início da vida no Brasil, o idioma foi um grande empecilho – Hana chegava a perder vendas por não entender o que o cliente queria –, hoje o português já não é mais problema. A estrangeira aprendeu a nova língua por conta própria e agora não vive sem revistas e jornais brasileiros. Aliás, ela já foi personagem em várias dessas publicações. “Estou muito bem conhecida aqui no mercado. Todo turista que vem aqui passa pela minha loja. É praticamente uma parada obrigatória”, assegura.

A comerciante acabou se tornando amiga íntima dos clientes mais fiéis. “Tenho fregueses que não me abandonam. Depois que fechei o restaurante e abri a delikatessen, eles passaram a levar a comida para casa, em vez de comer aqui. As vendas melhoraram. Fiz uma boa troca”, revela. Para Hana, trabalhar pensando só em “estocar dinheiro no banco” é perda de tempo. “Não construí grandes patrimônios, mas vivo com conforto. Tenho um imóvel onde moro, uma casa na praia e um carro que me leva aonde quero. Pago minhas contas em dia. Isso basta”, conta ela. Além dos idiomas árabe e português, Hana domina o inglês e o francês e viaja pelo menos duas vezes por ano, geralmente para a terra natal, onde moram seus familiares.

Além da sócia Amine, a lojista tem outra filha, que é nutricionista e trabalha com ela na Coisas D’Hana dando consultoria sobre os alimentos produzidos na loja – entre os quais se incluem massas folhadas, patês, coalhadas e pães. O único problema que Hana vê no negócio é a alta carga de impostos. Mas nem isso a faz desanimar. “Tenho muita fé”, resume a empresária, que veio para o Brasil sem a pretensão de ficar. “Quando vim, era só para esperar a guerra passar. Mas ela não passou. Nós fomos ficando aqui e estamos até hoje”, relembra.

  • Reportagem produzida para a disciplina Jornalismo Econômico, 5º período de Jornalismo - PUC Minas.